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quinta-feira, 20 de outubro de 2005

O violão do Son House

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Certa vez, o Renato comentou comigo sobre o violão do Son House. Nunca tinha prestado muita atenção, exceto pelo fato de que já vira um modelo igual na capa do disco "Brothers In Arms", da fantástica banda Dire Straits. Estava plantada a veneração ao violão do Son House.
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Era um violão de metal, com uma caixa de ressonância extremamente peculiar, e que... bem, a verdade é que simplesmente o visual do violão agradava a ele, e eu fui obrigado a concordar (de fato, era fantástico).
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Natural, portanto, que suscitasse alguma pesquisa para o blog, idéia que me ocorreu quando postei pela última vez, sobre o "Death Letter Blues".
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Descobri tratar-se de uma "steel guitar", um violão com uma ressonância superior aos comuns, de madeira, cujo volume permitia que se tocasse para platéias muito maiores, num contexto (lugar e época) em que nem sempre se podia amplificar eletricamente os instrumentos. Esta propriedade fazia da "steel guitar" a preferida de muitos nomes clássicos do blues, e ela se tornou um instrumento muito associado especialmente ao Delta do Mississipi e à Lousiana, principalmente acompanhado de "slides" ("bottlenecks").
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Bem, não há muito mais a acrescentar, exceto pelo fato de que descobri que se trata do sonho de consumo de muitas outras pessoas, também. Faço aqui uma promessa a mim mesmo. Um dia eu terei um violão igual.

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LINKS INTERESSANTES:
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Wikipedia
Foto grande do modelo do violão do Son House
Site do fabricante "National Resophonic"

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Death Letter Blues

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I got a letter this mornin'.
How do you reckon it read?
Said you better come on home, Son.
That girl you love is dead.
I got a letter this mornin,
I say how do you reckon it read?
You know, it said, "Hurry, hurry,
How come the gal you love is dead?"


Existem algumas obras que são obrigatórias. Estas o são por serem referências em seus respectivos campos (falo de obras artísticas). A música é cheia destas referências, que se tornam ícones pelos mais diversos motivos. As mais significativas, no entanto, se tornam ícones por representarem um momento particularmente iluminado dos artistas que as criaram, de modo que a própria obra seja capaz de definir tudo o que aquele determinado artista produziu. "Death Letter Blues" é uma destas obras. Você não pode ouvir Son House sem ouví-la. E muito menos ouví-la sem que, ao final, tenha entendido o que o Son House é (o homem foi, o bluesman é), e como sua música é.

Eddie James "Son" House Jr nasceu em 21 de Março de 1902 em Riverton, Mississipi. Ou não. Essa informação é um tanto controversa. Os documentos oficiais atestam esta data como verdadeira, mas o próprio Son House já forneceu datas imprecisas e contraditórias sobre seu nascimento: ele seria um homem de meia-idade na época da 1ª Guerra Mundial; ele teria 79 anos em 1965; ele teria nascido em 1886. Fato é que gravações feitas em 1941 e 42 apresentam uma voz que certamente não é a de um homem jovem.

Son House foi um dos mais importantes bluesmen de todos os tempos, e é um dos ícones maiores do blues do delta do Rio Mississipi, ao lado de nomes como Robert Johnson, Charlie Patton, Willie Brown e Leroy Williams. Ele não era um virtuose, mas compensava sua falta de técnica com um estilo extremamente marcante, com riffs vigorosos e ritmados, freqüentemente com "bottleneck" (slide guitar), e uma voz profunda e inconfundível. Ele gravou para a Paramount Records nos anos 30 e para Alan Lomax no início dos anos 40. Depois disso, sumiu para o público...




... sendo redescoberto nos anos 60, quando havia um "revival" do blues no meio musical, especialmente devido à explosão de bandas de rock fortemente inspiradas nos bluesmen americanos, das quais os Rolling Stones foram a mais forte expressão. Foi nesta "redescoberta" que House gravou "Death Letter" pela primeira vez, em 1965, embora a canção date de pelo menos algumas décadas antes disso.

Son House era um verdadeiro ícone do blues. Sua própria vida é uma espécie de síntese do blues, inclusive com alguns mistérios que não poderiam faltar. Ele ajudou a disseminar entre os jovens apreciadores de blues nos anos 60 a lenda (?) de que Robert Johnson teria vendido sua alma ao diabo numa encruzilhada a fim de conseguir sucesso tocando.

Infelizmente, ele parou de tocar nos anos 70, e morreu em 19 de Outubro de 1988 (daqui a dois dias se completam 17 anos). Não sem antes dizer, em uma entrevista devidamente gravada e mostrada na excepcional série "The Blues", produzida pelo Martin Scorsese (que certamente terá seu post, num futuro próximo), o que "quotei" abaixo do título deste blog. Sim, é dele: "... 'blues this', 'blues that'... This is not the blues! I'll tell you what the real blues is about: B-L-U-E-S!"

"Death Letter Blues" é uma canção vigorosa, em que ele mostra todas as características de sua música. Há um riff principal marcante, com uma batida forte (sim, sem palheta). A estrutura das estrofes é a típica do blues, com uma frase, uma repetição, seguida de uma espécie de "conclusão" (com variações, logicamente, até porque, diferente da maioria dos blues, "Death Letter" possui uma letra muito grande). A letra varia um pouco de gravação para gravação (há algumas), mas a idéia principal é a mesma, e trata de um homem que recebe a notícia de que sua mulher morreu e tudo o que ele sente e pensa no decorrer deste acontecimento (aliás, não poderia haver tema mais "blues").


Sendo uma música tão marcante, não é de se estranhar que tenha sido "coverizada". Desta vez, quem o fez foram os White Stripes, em seu álbum "De Stijl", lançado em 2000. Eles também tocaram sua versão no Grammy Awards de 2004. Os mais puristas certamente torcem o nariz para esta versão, bem como não devem suportar ouvir falar em White Stripes. Eu não morro de amores pela banda, mas ouvi o cover deles, e achei que o resultado foi bom. Ela me lembrou um pouco o que o Led Zeppelin fazia com os blues antigos (guardadas as devidas proporções, pelo amor de Deus!!!), embora seja verdade que o Zeppelin transformava muito mais os blues do que o White Stripes fez com "Death Letter". Claro que o Jack White não tem a voz do Son House, mas a letra não foi alterada, e ele canta o melhor que poderia (consegue não estragar). É evidente, também, que a banda daria uma roupagem mais "roqueira" à música, e o faz, com alguma competência, a meu ver. Acho que o cover é válido, até mesmo para levar o nome do Son House e do blues adiante para as gerações mais recentes. Sugiro que confiram.


LINKS INTERESSANTES:

A sempre útil Wikipedia

*Este post foi construído à audição exaustiva de três versões diferentes de "Death Letter", uma delas a do blog do cara, e outra a versão de estúdio do White Stripes.

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

O Caminho de Oscar Niemeyer (e seus, recém celebrados, 98 anos)


Oscar Niemeyer repete que a arquitetura não importa, e sim a beleza, as mulheres e o convívio social. No entanto, ele passou as últimas sete décadas debruçado à prancheta, perseguindo a meta do ofício, erguer monumentos que desafiem os princípios da Física e ameacem flutuar no espaço. Ainda mais espantosa é sua produção: segue a elaborar projetos, fiscalizar obras que criou e a lançar um livro atrás do outro em vários gêneros.

O último (e mais harmonioso) baluarte da esquerda brasileira fala da degradação dos valores políticos na globalização, critica a má execução de seus projetos e conta histórias de vida e os segredos da vida longa e da grande arte.
Niemeyer tem discutido com sucessivos governadores do Distrito Federal para tentar impor sua vontade. Governantes são obstáculos de seus desejos de criador de espaços. Outro alvo de sua fúria é o prefeito Cesar Maia, do Rio de Janeiro. 'Ele mandou inscrever propaganda da prefeitura no alto do arco do Sambódromo', ataca o arquiteto. 'Aquele é um monumento às formas da mulata. Usá-lo para promover a prefeitura é profanação!' Ele está reunindo a comunidade de arquitetos e sambistas para apagar o letreiro.

O complexo do Parque do Ibirapuera em São Paulo merece também críticas de seu criador. 'Ele foi fundado em 1954, mas até agora deixa a desejar', diz. Está tão furioso com a execução que jurou não comparecer à inauguração. Isso porque não concorda com a manutenção da histórica marquise, que corta a praça em duas partes. 'É de uma burrice fantástica manter a marquise', critica. 'Nunca vi no mundo uma praça cortada por uma marquise.' Aos que argumentam que a marquise é uma das atrações amadas pela população, ele retruca: 'O projeto é meu. Estou mandando derrubá-la!'.

"Defendo, intransigente, a minha arquitetura. Mas o mais importante é a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar”

Da janela de seu escritório, que freqüenta diariamente, ele vê o mar e as montanhas da paisagem de Copacabana. Dizem que dali ele tira a inspiração para as curvas. Para quem projetou Brasília e desenhou a sede da ONU, em Nova York, além de já ter recebido todas as condecorações possíveis, parece que a vida está completa, certo? Não para Niemeyer. Inquieto e convicto de suas ideologias, ele não aceita a miséria e a desigualdade social e continua a sonhar com uma revolução socialista. Apesar de ateu, projetou mesquitas, igrejas, sinagogas e até um templo evangélico. Finaliza agora o Caminho Nie-meyer, em Niterói, além de estar à frente de várias construções, entre elas o Museu e Centro Cultural dos Prêmios Príncipe de Astúrias, na Espanha.

Tem consciência de que não estará entre nós para sempre. Por isso, seus livros. 'Tenho escrito até novelas', conta. 'Tudo bobagem'. Ele acaba de lançar Casas onde Morei, memórias das casas em que viveu (e de algumas que construiu), e Minha Arquitetura - 1937-2005. Este último é um balanço comentado de toda a sua produção, de projetos a esculturas e móveis. Seus comandados informam que, além das esculturas, ele tem desenhado mulheres a cavalo e escrito poemas e histórias. Mas é na arquitetura que encontra o campo de batalha favorito. Os prédios, monumentos, pontes e templos que assina fazem parte de um projeto utópico. Sua obra em concreto deseja, em última instância, soterrar com beleza a realidade de um mundo socialmente desigual. 'Felizmente, consegui viver para construir minha obra', diz, com orgulho. 'Mas envelhecer, meu caro, é uma merda!'

Fontes:
Época 1
Quem
Época 2