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segunda-feira, 10 de outubro de 2005

O Caminho de Oscar Niemeyer (e seus, recém celebrados, 98 anos)


Oscar Niemeyer repete que a arquitetura não importa, e sim a beleza, as mulheres e o convívio social. No entanto, ele passou as últimas sete décadas debruçado à prancheta, perseguindo a meta do ofício, erguer monumentos que desafiem os princípios da Física e ameacem flutuar no espaço. Ainda mais espantosa é sua produção: segue a elaborar projetos, fiscalizar obras que criou e a lançar um livro atrás do outro em vários gêneros.

O último (e mais harmonioso) baluarte da esquerda brasileira fala da degradação dos valores políticos na globalização, critica a má execução de seus projetos e conta histórias de vida e os segredos da vida longa e da grande arte.
Niemeyer tem discutido com sucessivos governadores do Distrito Federal para tentar impor sua vontade. Governantes são obstáculos de seus desejos de criador de espaços. Outro alvo de sua fúria é o prefeito Cesar Maia, do Rio de Janeiro. 'Ele mandou inscrever propaganda da prefeitura no alto do arco do Sambódromo', ataca o arquiteto. 'Aquele é um monumento às formas da mulata. Usá-lo para promover a prefeitura é profanação!' Ele está reunindo a comunidade de arquitetos e sambistas para apagar o letreiro.

O complexo do Parque do Ibirapuera em São Paulo merece também críticas de seu criador. 'Ele foi fundado em 1954, mas até agora deixa a desejar', diz. Está tão furioso com a execução que jurou não comparecer à inauguração. Isso porque não concorda com a manutenção da histórica marquise, que corta a praça em duas partes. 'É de uma burrice fantástica manter a marquise', critica. 'Nunca vi no mundo uma praça cortada por uma marquise.' Aos que argumentam que a marquise é uma das atrações amadas pela população, ele retruca: 'O projeto é meu. Estou mandando derrubá-la!'.

"Defendo, intransigente, a minha arquitetura. Mas o mais importante é a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar”

Da janela de seu escritório, que freqüenta diariamente, ele vê o mar e as montanhas da paisagem de Copacabana. Dizem que dali ele tira a inspiração para as curvas. Para quem projetou Brasília e desenhou a sede da ONU, em Nova York, além de já ter recebido todas as condecorações possíveis, parece que a vida está completa, certo? Não para Niemeyer. Inquieto e convicto de suas ideologias, ele não aceita a miséria e a desigualdade social e continua a sonhar com uma revolução socialista. Apesar de ateu, projetou mesquitas, igrejas, sinagogas e até um templo evangélico. Finaliza agora o Caminho Nie-meyer, em Niterói, além de estar à frente de várias construções, entre elas o Museu e Centro Cultural dos Prêmios Príncipe de Astúrias, na Espanha.

Tem consciência de que não estará entre nós para sempre. Por isso, seus livros. 'Tenho escrito até novelas', conta. 'Tudo bobagem'. Ele acaba de lançar Casas onde Morei, memórias das casas em que viveu (e de algumas que construiu), e Minha Arquitetura - 1937-2005. Este último é um balanço comentado de toda a sua produção, de projetos a esculturas e móveis. Seus comandados informam que, além das esculturas, ele tem desenhado mulheres a cavalo e escrito poemas e histórias. Mas é na arquitetura que encontra o campo de batalha favorito. Os prédios, monumentos, pontes e templos que assina fazem parte de um projeto utópico. Sua obra em concreto deseja, em última instância, soterrar com beleza a realidade de um mundo socialmente desigual. 'Felizmente, consegui viver para construir minha obra', diz, com orgulho. 'Mas envelhecer, meu caro, é uma merda!'

Fontes:
Época 1
Quem
Época 2

Um comentário:

Anônimo disse...

Caraca! Esse post tá muito legal!
O Niemeyer é mó gênio mesmo... (E ainda é esquerdista convicto, gente assim quase não existe mais hoje em dia). Bem que eu queria ter dinheiro pra comprar pelo menos um desses livros.